Wednesday, November 16, 2011

Novembro Memorável: Mylla Christie


Tenho dificuldade em eleger qualquer tipo de coisa como favorita. Porque isso implica em uma série de questionamentos que, na verdade, pouco importam. Acho mais fácil elencar determinadas coisas que mais gosto do que escolher uma única - é cruel. E diante de tantos ensaios memoráveis de Playboy, essa dificuldade é elevada à máxima potência. Sempre quando alguém me pergunta qual o meu ensaio favorito da revista, esperando uma resposta objetiva, não vem um nome, vêm imagens: Vera Fischer, Alessandra Negrini, Maitê, Adriane, Deborah e, entre outras, Mylla Christie. Mylla, capa de novembro de 1997, se não fez o ensaio que considero o melhor, está bem próximo disso. A única coisa que me arrisco em atribuir como favorita, sem titubear, é a capa, de close: lindíssima, singular, misteriosa e reveladora. Perco-me em suas sardas, caprichosamente pulverizadas em sua pele...


Quando Mylla Christie cedeu à revista não estava no ar. Mas a maior personagem de sua carreira, a maliciosa Silene, de Engraçadinha, ainda permanecia fresca na memória dos leitores. A sensualidade mostrada na minissérie baseada na obra de Nelson Rodrigues só pôde ser totalmente contemplada quando ela foi à Inglaterra e interpretou nua para a câmera de Bob Wolfenson. Como é comum às estrelas decididas e dispostas a fazer um trabalho incomum, sofisticado e relevante, a locação foi uma imposição sua, como prova sua declaração que acompanha uma das fotos do ensaio: "Escolhi a Inglaterra de Shakespeare, primitiva de aristocrática". Ainda sobre o trabalho, ela explica o porquê de ter interpretado mulheres distintas no ensaio: "A sensualidade está tanto na simples camponesa nua de pé no chão como na sofisticada londrina vestida de pudor". Um doce convite à imaginação.


Numa primeira folheada, ansiosa, desatenta, essa dualidade de uma mesma mulher pode causar estranhamento. Diferente da maioria dos ensaios assinados por Bob Wolfenson, nessa matéria o roteiro não é linear, facilmente compreendido. Só quando você se dispõe a entender a mensagem que está tentando ser passada é que reconhece-se o refinamento do trabalho. Mas, mesmo que ninguém se atente às minúcias, às fantasias propostas, a extrair interpretações pessoais, as fotos são autosuficientes, encantadoras, a fazem sentido mesmo se tiradas de seu contexto. São lindas. Começando pela romântica abertura, onde a camponesa Mylla Christie encara a lente com desejos implícitos, com seu vestido de época, rodeada de flores e com construções de pedra ao fundo.


Por mais que eu tente descrever com fidelidade a beleza das fotos, não estarei sendo preciso. Só mesmo com a revista em mãos para admirar as cenas em que Mylla posta-se ao lado de um cavalo, encosta-se em um muro ou ri maliciosa em posição de quatro apoios na vegetação rasteira - todas com um toque do impressionismo de Monet. A produção de moda e a maquiagem e cabelo de Duda Molinos também foram fundamentais para a construção dessa mulher ingênua, bem diferente da que aparece na segunda parte do ensaio. Essa outra mulher intimida, parece ser decidida, mas também é submissa, entrega-se de pulsos e pernas amarradas, como na expressiva foto que Bob, em sua entrevista em novembro de 1999, chamou de frango assado, referindo-se à pose de Mylla, retratada em cima da mesa. Aliás, muito da dramaticidade das fotos advém do clima entre os dois.


Bob, nessa mesma entrevista à Playboy, contou que, durante o ensaio, Mylla e ele travaram uma luta pelo controle do trabalho. Enquanto Bob tentava dirigir, ela o restringia e impunha condições, limitando-o, a ponto de perder o comando, motivando-o a "tomar pulso da situação" para que ela não o dominasse. Bob disse: "Nós vamos ter de nos entender, ou paro o trabalho aqui e vou embora". Isso a levou às lágrimas, que, sem querer ou não, acabaram fazendo parte do ensaio. Não é um choro explícito, mas sua expressão leva o leitor à margem da dúvida. A foto em que ela aparece em frente à janela, percebe-se sua expressão concisa, contrariada, como a de quem acabou de sair de uma discussão. No final eles se entenderam, e esse detalhe, curiosíssimo, só rebusca ainda mais o ensaio, que acaba com fotos belíssimas nas ruas de Londres. Impecáveis.


Mylla Christie teve a sorte de ter sido eternizada de forma magistral. Não são só seus seios rijos e naturais, sua barriga sarada e seu bumbum e pernas firmes que permanecerão assim para sempre, contrariando o tempo, como também sua sensualidade, seu poder de despertar desejo, ou de somente encantar - mulher nenhuma quer perder isso. Quando o então redator-chefe de Playboy Marcos Emílio Gomes, substituindo Ricardo Setti, que estava em férias, escreveu no Entre Nós da edição que o ensaio foi difícil de ser editado, tarefa feita pelo diretor de arte Carlos Grassetti, Ariane Carneiro, Bob Wolfenson e por Setti, concluiu que o resultado foi um "álbum de maravilhas". Ainda diz que depois de tanto trabalho, Setti pôde descansar "certo de ter deixado pronto um dos mais belos trabalhos que já publicamos". Eu, como leitor, e admirador da revista, não ouso discordar.

Imagens: Reprodução.